segunda-feira, 15 de outubro de 2007



Há muito tempo que tenho medo de mim. Eu sou o desconhecido. Sou o outro lado do muro, o escuro fundo do mar, o seio da densa floresta, o que se esconde por detrás da porta. Olho-me no espelho e é confuso. Há algo naquela imagem que me escapa. É o estranho que eu visito. Sou a distância entre o que (penso que) sou e o que (julgo que) exibo. E não consigo deixar de pensar neste hiato cada vez que vejo minha imagem. Eu perante mim. Uma representação vazia de pensamento e da complexa tessitura que me compõe. É o jogo defensivo de existir.

Existo. Existo-me, exaurido, numa fuga desesperada ao vazio. Porque a vida é isso mesmo, uma tentativa desesperada de fugir ao vazio. E tenta-se. A dor é alimento. Porventura mais que o prazer. E dificilmente sei o que é esquecer. Não tenho pernas para as passadas do tempo. Muito há por dizer ainda que muito tenha sido dito. Resta-me falar sem palavras. Mas não consigo deixar de ter medo de minhas acções ou omissões. Ainda me restam muitos erros.

E há culpa nos gestos indisfarçáveis do meu ser. Pergunto-me frequentemente se há espaço para largar o que sou. Apetece-me parar, dizer não, desligar-me. Simplesmente suspender-me ou, em alternativa, alterar-me. Toda uma existência subjugado a um imperativo irremível. Mudar? Mero engano mental, ilusão passageira. Que relação tenho comigo? Que é isto de ser quem sou e sabê-lo pelo que sou? Ao questionar já o faço pelo meu modo de ser que me é inerente. Assim me tenho. Terei de gostar de mim para existir saudável? Gosto de mim? Pelas minhas acções me respondo. Conhecer-me é um processo já afectado por minha subjectividade. Eu a conhecer quem sou. Queria ter sido meu criador…e quem seria eu no acto de criação? É ambição a mais não me conformar com o facto de não ter sido iniciado comigo o processo de minha construção. Apesar disso, sou demasiado culpado do que sou. E isto pesa…mais do que o receio e a impotência face ao incontrolável. Por mais que me esforce não me abarco por completo. Terei sempre surpresas reservadas, sou o estranho em mim, a raiz do meu medo.

João Vasco

Um comentário:

storytellers disse...

Ououuuu! Queria dar concelhos. Mas quem sou eu?! Apenas dizer, incrivelmente bem escrito! E dizer que, que o quê? Que a criatividade do pensar pode sempre ser um impulso para a criatividade na acção, não te esqueças.

beijinho
Kerubina