domingo, 27 de setembro de 2009

Definição



Foto de José Rui Moreira Correia
Tenho demais comigo
Já tentei dar ninguém quis
Não sou porto de abrigo
Sou o que nada me fiz
O que acabei sendo
É o que não se vê
O que sou perdendo
Texto que não se lê
João Vasco

quinta-feira, 10 de setembro de 2009


Foto de Brassai

Os meus pés pedem uns sapatos com um longo caminho. Vou-me fazer correr, desarvorado, enquanto o tambor do peito faz da minha vida um teatro. Vou correr até que consiga fugir de mim e, enquanto lá não chego, vou esquecer a memória. Estou cansado ao ponto de não pensar parar de correr. E até lá não sei que mais possa fazer. Continuarei até que a mudança tome conta de mim. E afinal tudo tanto na mesma…
Não há tempo que chegue para que a paz ganhe. Há-de sempre haver perguntas de secessão. Tivesse eu tempo fora do corpo como tenho dentro de mim. As coisas sem tamanho que existem no tamanho meu… Houvesse espaço para o abandono das regras que assombram a palavra liberdade. Há sempre uma vontade calada que se alimenta das perguntas que alcançam mais que a resposta de silêncio a que sobrevivem.
Invejo a impassibilidade e a solidez das pedras. Aquela robustez que nunca se domestica num olhar… Por vezes esqueço-me até que respiro. Mas o peso da irredutibilidade agita, inevitavelmente, as águas do vale de repouso. Deixaram que soubesse que existo e ninguém é tão alguém até ao momento em que se apercebe como alguém assim ninguém tão alguém.
Não deixo de procurar o que não se define mas que acaba por me definir: o que é não o sendo.
Há demasiados minutos, o que não vem fica em pensamento num incêndio de interior. Faz tempo que ardo. Sou tição desconfiado, receoso que o vento me apanhe como cinza. Esta chama é lenta, ainda tem muito lume para fazer. Lá fora o corpo faz-se, humedecido pelos dias. Se eu não me soubesse até não repararia na tenacidade da minha sombra…
João Vasco

terça-feira, 12 de maio de 2009



Foto de Marta Ferreira
Como se é sendo? Não fora a violência inexplicada do modo individual de se existir e o mundo seria pequeno. Mas não tem tamanho. É do tamanho de um olhar. Há montanhas e vales por detrás de um olhar. E quando os olhos se fecham reinventam-se paisagens.
Ser não é mais que continuar. Sem antes nem depois, apenas sob a fímbria da vida, a perdurar, sem escolha. É a submissão humana, o completo retrato da existência. Os dias não têm novidades para o que é imutável. Para quê o cansaço?
Mas o que me escapa dói bem lá no fundo. Pudesse esquecer e seguir…
Como se vive? Assim, de caras, tudo é dado. Depois do espanto o que subsiste? Resta a fuga, o acto teatral no silêncio, a corrida desarvorada. E mesmo assim nada. Esta palavra assusta. E quem manda é sempre o medo. E depois disso uma atracção fatal pela tristeza nasce no âmago de cada coração. Como se fosse inevitável esse caminho. Malditas entranhas que não me deixam ser objecto inanimado sob raios de sol!
É no alvoroço do peito que se faz a beleza. Que os dias se apaguem em amor. Entrementes que faremos nós nestas águas?

João Vasco

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009



Foto de Veselin Stefanov Kanchev
Quando vejo onde estou sei que não estou em lado nenhum. Porque aqui não se está, confunde-se. Estou sempre parado no mesmo lugar e esse lugar sou eu. Tanto estranho à minha volta e eu sou o estrangeiro a aprender-me. São segundos de vida a agarrar todas as outras horas. As que se vivem tão depressa ou as que se arrastam em acerbo. As vozes vão desaparecendo, o olhar fica diáfano e sobram o pensamento e as raízes da pergunta. E sempre regresso aos muros da irredutibilidade. Entrecortam a seda dos dias. Fora de tudo, fora de nada, ausente. Ninguém me ensinou o que é não entender o começo, o sabor das pausas. Aqui não vem ninguém. Deixemo-nos, tais como assim. Não hei-de dizer que não sei onde estou. Não há-de ser dito. Porque não faz falta. Há coisas que não se fazem. E nem vale a pena perguntar porquê. A dúvida é a minha submissão.
É-se, aqui. Porque tenho que cá vir tantas vezes?
João Vasco

domingo, 11 de janeiro de 2009


Foto de SaMY

Num dia arrastado de que não tenho memória vi-me em circunstância de pensamento. Rasgado pela claustrofobia do tempo, tão de chofre, que nem permitiu espavento. Livre em ideia, confrontei-me com o peso de mim. Em pouco tempo fiquei exaurido. Não havia descanso na continuação perpétua do meu confronto interior. E onde jaziam as respostas?
Desde então, no interior de minha cabeça dói-me um zumbido. Uma janela se abriu e entrou a luz reveladora. Uma luz tão branca que, em vez de me permitir ver, cegou-me. Desordenado por ter tanto ao meu dispor e tão pouco para o poder enfrentar, este foi o dia em que me conheci.
Após a descoberta já não se regressa. O retrato é novo entre os muros. Aos poucos, o desgaste já não me acossava e comecei a vislumbrar, a custo, os contornos da realidade ruminada. Habituei-me.
Agora já sei olhar para trás e ver-me. Como espectador que avalia a sua representação na algazarra da vida. Em mim tudo era vidro quebrado, aqui vive-se nas águas do silêncio. Gastava-me a sentir o peso áspero da respiração, a sopesar a gravidade do pensamento. Nunca estava pronto para me abandonar, os meus pés eram os meus passos. Lá havia a sombra.
Agora já não dói.
João Vasco