segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Casa na Colina - XIX

Foto de Sidnei Recco
É hoje. Sim, hoje. É hoje que me vou embora. Tem que ser hoje. Não vá perder ainda mais do que o que já me fugiu. Um pedaço perdido de mim anda por aí. Não sei se pelos céus, por entre as nuvens, se a flutuar inerte, em águas que não sei ou se entranhado em terras húmidas. Ou talvez esteja escondido em qualquer lugar que me escapa, nos arrabaldes da alma ou na cave da coração. Falta-me uma réstia, uma palavra essencial do léxico, uma janela com vista para o mar.
Quanto mais tempo aqui permaneço mais esta casa muda de tamanho. Umas vezes imensa, com a tristeza do eco, outras minúscula, na asfixia da escuridão. E eu estou. Vou estando. Tenho estado. Urge que deixe de estar. Estar não é morar porque eu não tenho morada. Fiquei por falta de alternativa. É isso que nos faz a covardia da lassidão, rouba-nos as opções até que, eventualmente, a pior delas seja a que prevaleça. E agora que sou eu sem ti já exaurido de mim? 
João Vasco

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Foto: Henri Cartier-Bresson
 
Quanto tempo se tem até que se perceba que se é inevitável? Cada pessoa é um acidente. Mas isso não chega e procuramos significado. Queremos as coisas como nossas, queremos pertencer a algo e ser mais do que tudo o que possa parecer primitivo.
E depois há o não saber. Como posso não saber? Não chegar, não alcançar. Porque não dá. Não há como. As perguntas não descansam mas as respostas são impossíveis. E se tudo o que o tempo fizer for apenas o martelar no pensamento?
É disso que se faz o Homem. De mil e uma coisas mas nada em concreto. E o tempo é o palco desta tragicomédia. A maior imensidão é o vazio. Porque aí tudo é engolido, tudo desaparece. E é fácil deixar isto tudo de lado, esquecido? Não deixar que se alimente e nos assoberbe de batalhas para perder? A viver esquece-se o tempo. A lembrar-se que se vive agigantam-se as rédeas do tempo. Quanto não é demais saber-se que não se pode mais saber?
Depois de subtraídos todos os atavios e ademanes o que sobra? O peso do silêncio. Ninguém sustém tal peso durante muito tempo. Ninguém consegue respirar perante tanta questão sem resposta. Inventa-se o trabalho, o lazer, resvala-se para os vícios e os prazeres e para falsas liberdades, mergulha-se nos afectos, acorda-se pela dor, enquanto tudo permanece intangível, do outro lado do rio, fora das pessoas mas nelas intrometido.
João Vasco