segunda-feira, 24 de maio de 2010

Foto de JARPC

Isto da repetição é coisa que habita no Homem. Ser-se alguém não é mais do que repetir-se, incessantemente, e quase nunca dar por isso ou, por força do próprio vício, quando notado é esconjurado, de forma expedita, por necessidade violenta. E dando conta disso onde ficamos? Desembocamos na repetição esquecida de nós mesmos.

No silêncio, na ausência, se houver fragor em nós, sobrevém a consciência do que nos foge na acção. Maioritariamente como encenador ou actor também encontro o meu espaço por entre o público. A curiosidade tem destas coisas. É um caminho só de ida.

As distracções são muitas mas ainda assim é costume importunar-me. Há luzes que depois de acesas nunca se apagam.

Os outros que vejam em mim a repetição que eu vejo neles. Em mim nada há, digo eu. Neles também não, dizem eles. Cada um é a excepção de uma regra feita de excepções. E quem é o quê? Inventar a mentira foi a coisa mais fácil.

As pessoas precisam pertencer, fazer um esforço para se encaixar porque não ser de nada é não se ser. Tudo se torna regresso. Como não ser previsível?

Não sei se fui eu que encolhi se foi o mundo que se tornou maior.

João Vasco

domingo, 31 de janeiro de 2010

Foto M.Rosário António

Não acompanho a velocidade do mundo. Não sei parar. Vou e venho por não saber além do que me resta. Sou testemunha da revolta entranhada, virulenta, que me faz o sangue crescer nas mãos. Às vezes é a água que boleia o mármore do corpo, noutras a chama que me antecipa as cinzas ou então somente o silêncio exasperado do vento.
As pessoas, pontualmente, puxam-me para um acerto. E que sabem elas nesta confusão? Mais vale deixar tudo em repouso antes que surja algo mais sólido do que desespero. Aí vem alguém, bruxuleante. Alguém. Como um vulto. Poderia preceder a pessoa mas é como se não existisse pessoa e o vulto permanecesse. É esse o meu alguém em forma de mundo. É inevitável? Onde andam todas as pessoas, tão afrouxadas pelo costume?
Estar longe é tomar consciência de mim mesmo e saber-me sem me bem saber. E esses momentos de pedra, quando me vêm bater à porta da alma, levam-me ao princípio. As palavras não têm corpo, mas morrem-me aos milhares entre a vontade e a acção.
Se não fosse estranha esta estranheza na consciência de se ser tal como se pensa ser, pensando-o, todas as coisas seriam fáceis em seus lugares. Dormir é mais que repouso, é muito esquecimento e alguma esperança.
E perante o vidro que não atravesso sobra-me sempre a beleza, a esmagar-me, vinda de todo o lado, até que me esqueça de fechar os olhos. Um banquete, por onde quer que vá. Ninguém a queira perder. Um dia de cada vez, atento, faço metade do caminho.

João Vasco