quarta-feira, 26 de setembro de 2007


Sair. À rua. As ruas têm gente a mais para que não me sinta só. Na rua há cenário, a imensidão do tempo vazio. Parado, estranho-me. Debruço-me sobre demasiadas questões de mim. Sou o louco que revolve a serenidade da poeira. Mas mesmo este instinto selvagem enfrenta o limite que cerceia qualquer sede de rebuliço em busca de mais. Há uma álea infinita a asfixiar qualquer desejo de emancipação.

E quem são estas pessoas? Corpos. As pessoas não se conhecem. Eu não tenho corpo para minha alma. Olho para eles e percebo a distância. Que lonjura!

Aqui se faz a vida. Quero partilhar meu pensamento. Mas não por palavras ou gestos que adulterem a raiz das ideias. Um produto puro, uma partilha sentida como um pedaço verdadeiro de identidade, …assim seria conhecer e conhecerem-me. Seria…

Estou a meio caminho de nada. Volto para trás ou cumpro o que me resta? Estou na rua. Sinto o som do silêncio, a solidão. Onde me tenho, jazigo de instantes?

Apenas vim à rua para que pudesse ficar um pouco só.


João Vasco

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Enlevo


Se me vires assim atoleimado

Em gestos e desvarios de incerteza

É porque brotou em mim a pureza

Desse trago mansinho e folgado,

Esse tão rebuscado sabor

A que chamam decerto amor.


Se me achares um pouco distraído

Perdido pelos cirros invisíveis

É porque há matérias indizíveis

A sobejar em mim, pobre arguido,

Culpado por te amar tanto assim

Que até me faço esquecer de mim.


Se eu estiver parvo a olhar para ti

Suspenso em teu calmo revelar

É porque me sinto todo a parar

Nessa aragem em que te percebi

Tu, bela como não há mais

Ninfa áurea de meus recitais.


João Vasco

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

A morada de mim



Por onde vou me perder

Se o que nunca se encontrou

Não tem fixo o lugar

De existir, de morar.

Por onde….

Existir é tão confuso

Quero dar-me uso…


Por entre as brumas do meu ser

Não encontro o que entender.

Vicissitudes em dispersão,

Reminiscências da acção,

Espaços de tempo desencontrados

Em simetrias desconexas,

Acontecimentos soterrados

E coisas vãs anexas.


Por onde então me procuro

Se me entendo a o fazer,

Há meu passeio obscuro

A imaginar-se a crescer.

Navego como nauta de mim

No abismo que se completa

Até à foz do rio sem fim

Minha utopia concreta.


Por onde ando eu

Um pouco aqui e ali

Entre o que tenho e o que é meu

Entre o que existo e o que morri.

Há outro modo de me achar

Livre do castigo do véu

Ser gigante como o mar

Ausente como o céu.


Em meu querer descrente sonho

E os dias já não acontecem.

Ai, se eu pudesse ser risonho

Pelas vontades que se tecem

Ter uma chama insubmissa

A acalentar-me cada movimento,

Moldando minha quididade omissa

Chegar-me ao que tanto tento.


Por onde ando eu…


João Vasco

terça-feira, 11 de setembro de 2007

As vozes que falam comigo nada dizem que me seja entendível. São ruídos de vida desenfreados pelos espaços redutores do tempo que acontece. Sons abafados pela distância que se cria entre o que alcanço e o que desejo. Ouço clamores férreos e sussurros plangentes.

Que dizem eles? São desassossego despido de palavras. Como se um bando de gaivotas grasnasse ao meu redor, à procura de nada, apenas com a vontade de soltar instintos implacáveis pelo facto de existirem. A continuidade desta melodia indecifrável faz-me cansado. Preferia a crueza do silêncio. Em que tudo sucede na quietude da previsibilidade. Será que irá parar este bulício? Onde estão as palavras? As vozes fugidias não são ditas mas eu as ouço. Sou apenas eu a falar comigo…


João Vasco

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Às vezes perco-me. De mim. De tudo. Ausento-me sem destino pelos caminhos invisíveis da incerteza. E atrevo-me pelas veredas sombrias que suponho. Supor. Sim, supor. Essa contingência. Porque eu só me suponho. Pelo que me suponho sendo. E as viagens que desencadeio pelo universo de mim são gestos ilusórios de liberdade. Não há mais que isto, uma sucessão de gestos irrepetíveis onde tudo é presumido. No embaraço da acção encontro-me com a dúvida iniludível. Porque há demasiadas quebras para que se entenda a vastidão do que acontece. Como me tenho evidente? Deixo-me suster, inerte, na convicção inquebrantável de que supor é existir. Assim suponho…


João Vasco