domingo, 10 de julho de 2011

Casa na Colina - VII

Foto de: desconhecido

Porque tardas tanto como se já não viesses? Porque insistes em me fazer esperar, aqui, sozinho, como se te tivesses esquecido de mim? O tempo pesa, sabias. As folhas das árvores vejo-as cair, como que abandonadas, feitas inúteis, à mercê do vento, demasiadas vezes.

Aqui não vem ninguém e a janela é um fresco inacabado. Algures estás tu. Nenhures estou eu. Estamos? Eu estou, como não estando, a deslizar, despojado do resto e sobrecarregado de mim. Deixei-me ficar. Como não tendo outra hipótese, por inércia, por não ser capaz de fugir à servidão humana.

Há coincidências que nos salvam como memórias de alguém. Já chega de me esqueceres, não sejas ridícula. Fico eu sem jeito, sem propósito, a pairar.

Quando te olhei pela primeira vez fiquei sem saber de mim. Traz-me de volta. Sempre faz frio em uma casa vazia.

O que fazes? E o que não fazes? Há muito peso em teu peito. Não tens as mãos livres nem o sorriso liberto. Os teus olhos disseram-mo, por sussurro. E eu acreditei tanto que esqueci as voltas tuas dos lábios. E se sorrisses como se sorri em criança? Ainda te lembras?

João Vasco

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Casa na Colina - VI

Foto: Autor desconhecido

Fiz chá. Um daqueles que se bebem a entrecortar as conversas. Tu não chegas e ele arrefece. Como eu. E depois de arrefecido já nem é chá. Vou deitá-lo fora. Ou então bebo-o já. Mas e se chegas, entretanto? Ficamos sem chá para beber. Entre o agora e o depois, um abismo: o ofício de existir. E a conversa que também se atrasa, nada há que a faça vestir-se, uma demora em pensamento, um castigo como entretenimento.

Chove copiosamente lá fora. O ar denso e abafado faz-me lembrar que me esqueço que respiro, tão subtilmente, por necessidade.

Mas hoje está tudo mais difícil de agarrar, não sei se são coisas do céu se caprichos do peito.

O chá está frio. O sol espreita enquanto a chuva enfraquece, lentamente, até que pára.

A liberdade é uma palavra. Quando não tiver mais em que pensar, quando tudo tiver ido e não for mais que um livro em branco, aí estarei sozinho, sem espaço para improviso, no início e no fim, vazio, completamente livre. Onde assim? Como assim? Assim, só, assim só assim.

João Vasco

domingo, 3 de julho de 2011

Casa na Colina - V

Foto de Benjamim Vieira

Por entre dias isentos - manhãs enrugadas pela humidade, tardes desmesuradas e noites de vapor e anuência - escorreguei, sem alternativa, por falta de ti. Fui indo, como quem vai e fica, como quem pede e dá, como quem manda e obedece. E esqueci-me de quase tudo o que é imediato, de tudo o que é banal.

Sem mais que me leve percebi-me drasticamente vivo. Não há mais do que o que desde muito cedo se sabe. E o resto do tempo? Por ser tão escasso é-me supérfluo, como se tudo fosse a preto e branco e as cores não mais fossem que um subterfúgio da imaginação.

Tu eras a minha canção de embalar. Agora sei-me sem dormir, há demasiada luz para que não tenha insónias. Já não moro na minha casa.

João Vasco