segunda-feira, 29 de outubro de 2007


Uma asfixia constante polvilha minha existência. Como se o firmamento se abatesse sobre mim com intenção de me esmagar. Não sou mais que memória. É atroz… Simplificado por acerba sentença busco sentido. Peças que se distribuam de forma adjacente de modo a poder ter uma perspectiva real da imagem que sucede. Isto é a violência de existir. Cadáver que sou, distraio-me a construir castelos de areia, enquanto aguardo pelo estridular dos dobres a anunciar o momento da retirada. Por cada castelo que rui, construo logo outro de seguida, na esperança parva de que o mais recente seja mais obstinado que o anterior.

Se eu pudesse mais do que querer e menos do que agir…Ser limpo, intenso e feito apenas de verdade. É tudo tão repetitivo e desgastante! Quem não se cansa?

Eu, que existo porque não me consigo esquecer de mim. Desde que me conheço que procuro um desvio, uma palavra, um som, um sorriso que me leve a um lugar diferente, fora disto tudo. Um local sem tempo ou espaço, em que me abandone e me esqueça. Onde? Por aí… Esse pouso que não é destino há quem o chame de amor…

João Vasco

domingo, 28 de outubro de 2007

Espiral



Quem pára tudo isto?

Que o tempo é além

Este trajo que eu visto

É a noite, o desdém.


Quando isto se acaba?

Este pulsar nevoento,

O retumbar na aldraba,

O rumorejar do vento.


Como fechar que existo?

Este cordel traiçoeiro

A enovelar-se, previsto,

Como hábil nevoeiro.


Hei-de deixar de ser eu

Começar do nada,

Deixar o que é meu

Sulcar uma estrada.


Tenho-me a mais,

Tamanho enfado, assim,

Como barco órfão de cais

Sou tão-só eu sobre mim.


João Vasco

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Flébil Monotonia


O frémito da ausência me perfaz

E sinto o erro como adivinha.

O céu vestido de lusco-fusco lilás

A saudar a noite que se avizinha.

Que é isto de ser-me assim

Um tédio já gasto de mim…


As bocas caladas dos anjos

Que não soltam as vozes de arrepio

Nos constantes desarranjos,

Neste interlúdio em que expio

As minhas faltas constantes

De meus modos distantes.


O mar tarda em se encapelar

E até parece menos majestoso,

Está tão triste seu nobre marulhar

Como no leito da morte o idoso

A pensar nos tempos de outrora

Na nostalgia da última hora.


Ai quem me dera poder mudar

As cores de minhas cores revoltas,

As areias de meu pélago a pairar

E eu tonto sempre às voltas…

Mas retenho meus olhos sobre o mar

E só vejo as ondas a rebentar, a rebentar…


Que é isto de ser-me assim

Um tédio já gasto de mim?



João Vasco

quinta-feira, 18 de outubro de 2007


Às vezes, Às vezes…. É todo um tempo que se vive. Essa curva do rio, esse balanço da estrada, essa voz da penumbra…Às vezes e as outras que não às vezes. Sempre, quase sempre, às vezes ou nunca. Tudo se mede pelas vezes que acontece. Um somatório de parcelas. Assim é a vida, essa uma única vez feita de tantas outras vezes.

João Vasco

segunda-feira, 15 de outubro de 2007



Há muito tempo que tenho medo de mim. Eu sou o desconhecido. Sou o outro lado do muro, o escuro fundo do mar, o seio da densa floresta, o que se esconde por detrás da porta. Olho-me no espelho e é confuso. Há algo naquela imagem que me escapa. É o estranho que eu visito. Sou a distância entre o que (penso que) sou e o que (julgo que) exibo. E não consigo deixar de pensar neste hiato cada vez que vejo minha imagem. Eu perante mim. Uma representação vazia de pensamento e da complexa tessitura que me compõe. É o jogo defensivo de existir.

Existo. Existo-me, exaurido, numa fuga desesperada ao vazio. Porque a vida é isso mesmo, uma tentativa desesperada de fugir ao vazio. E tenta-se. A dor é alimento. Porventura mais que o prazer. E dificilmente sei o que é esquecer. Não tenho pernas para as passadas do tempo. Muito há por dizer ainda que muito tenha sido dito. Resta-me falar sem palavras. Mas não consigo deixar de ter medo de minhas acções ou omissões. Ainda me restam muitos erros.

E há culpa nos gestos indisfarçáveis do meu ser. Pergunto-me frequentemente se há espaço para largar o que sou. Apetece-me parar, dizer não, desligar-me. Simplesmente suspender-me ou, em alternativa, alterar-me. Toda uma existência subjugado a um imperativo irremível. Mudar? Mero engano mental, ilusão passageira. Que relação tenho comigo? Que é isto de ser quem sou e sabê-lo pelo que sou? Ao questionar já o faço pelo meu modo de ser que me é inerente. Assim me tenho. Terei de gostar de mim para existir saudável? Gosto de mim? Pelas minhas acções me respondo. Conhecer-me é um processo já afectado por minha subjectividade. Eu a conhecer quem sou. Queria ter sido meu criador…e quem seria eu no acto de criação? É ambição a mais não me conformar com o facto de não ter sido iniciado comigo o processo de minha construção. Apesar disso, sou demasiado culpado do que sou. E isto pesa…mais do que o receio e a impotência face ao incontrolável. Por mais que me esforce não me abarco por completo. Terei sempre surpresas reservadas, sou o estranho em mim, a raiz do meu medo.

João Vasco

quarta-feira, 10 de outubro de 2007



Minha casa, meu lugar… No cimo de uma colina, altiva, isolada, onde moro sozinho. Feita nos dias de mim com a solidez do tempo, fiel abrigo de agruras. Eu não saio daqui. Um aconchego cobarde molesta minha vontade de explorar o que aparece na minha orla de existir. Prisioneiro de uma vontade insonte, sustenho-me em meu espaço. Escuto o som das palavras e o silêncio que as entrecorta como intervalo de vida. Há uma pausa ou um avanço no sentido indistinto das coisas. E assim se fazem os tempos que não se recuperam. É a minha doutrina, meu livro em branco.

Que é de mim? Onde me tenho? Quero-me assim, composto pela distância a que me sujeito. Porque tenho medo, um medo sacrílego de mim. Não sou previsível. Tenho-me seguro pelo refrigério que é minha casa. E espero. Por nada, apenas espero, como se mais nada pudesse fazer porque assim sou eu.

A minha casa…Ruiu minha casa. Onde morava sozinho. Agora tudo ficou mais claro com o fim da fantasia. Vejo até mais longe ainda que conheça o mesmo. Que hei-de fazer? Amainarei até ao torpor. Vou continuar à espera na quietude mansa de minha irredutibilidade. Conquanto que isto pareça muito, é miserável, porque tudo continuará na mesma, no mundo, lá fora. É urgente saber quem sou!

João Vasco

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Chuva Isolada



Na sombra do tempo me escondo

Na esperança de encontrar a lua, tresmalhada,

Despida do céu, gravada na chama do teu olhar

Como menina sem sua mãe, perdida.

E ouço os murmúrios cavos da distância

A relembrar-me o medo da saudade

Pelos trilhos feitos na incerteza,

Na acção continuada de mim,

Torturado pelo cunho do esquecimento.


(Onde estás que já nem te vejo a vida

Onde me tens guardado a morrer?)


Aos meus pés, no lugar dos meus passos,

Um passado dito por cinzas amontoadas

À espera de uma brisa que as faça livres

Que as disperse invisíveis como a memória

Para que tudo seja como tem que ser.


(Onde estás que já não te procuro

Onde me deixaste longe de mim?)


Estou no limbo, na minha fronteira do amor

No lugar onde as palavras se emudecem

E em que os silêncios são vociferados.

Aguardo por um tempo certo de agir,

Por um clamor sibilado de sentimento,

Por uma paisagem imarcescível de ti,

Por um fado sonhado na rua.


(Onde estás que tanto te quero bem

Onde levas contigo a Primavera?)


Esta frágua na manhã do meu acordar

Não se perde pelos sabores da tarde,

Despe-se de sua copa adstringente

Como um carvalho pelo Outono,

No descerrar de cada viagem nocturna

Quando me perco pelo sono.


(Onde estás tu sozinha a chorar

Que já sinto minha boca dorida de sal?)


E é assim deste modo carregado

Que me vou vendo a respirar,

Um pouco longe de minha presença,

Suspenso pelas pausas da ilusão

Enquanto cai tua chuva em mim

Meu pedaço de céu, nuvem distante.


João Vasco

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Não tenho mãos para agarrar, deixo fugir. Bem tento, mas falta-me algo para conseguir segurar o que quero. Não é vontade. São minhas mãos. Têm a medida certa para dar a liberdade. Porque as mãos querem-se leves como aves migradoras. Mas as minhas pesam-me.

É o peso da leveza.

João Vasco