terça-feira, 27 de novembro de 2007

Intermezzo



Tenho que apanhar o tempo

Na estrada que desponta.

Meus passos, ao destempo,

São a vida que não conta.


E os sons que me perfuram

Como pensamentos ansiosos

Cedem-me ecos que perduram

Além dos vazios desditosos.


Revejo-me pelo sábio costume

Dos usos feitos no vício de fuga

E o ardor da chama de meu lume

É o palco em que tudo se conjuga.


Sou náufrago arribado à areia

Da praia esboroada de meu ser,

Uma morada de casa cheia

Este meu modo de me entreter.

João Vasco

segunda-feira, 19 de novembro de 2007



Quando se é uma gota no oceano, um grão de areia no deserto, uma árvore na floresta, as palavras não ganham corpo, esvaecem como poeira à mercê do vento. Estes conceitos insepultos ficam latentes, à espera que um instante futuro os faça manifesto explícito da alma. Mas não há nada mais que isto quando a voz não é ouvida. Sem ouvintes entranha-se o silêncio. Quanto silêncio se suporta? Quando o silêncio é mais que interstício perde-se o ritmo da dança. Abraça-se o seio da distância, sorvendo em tragos soluçantes os caminhos da loucura. Tamanha força da sinfonia da solidão! O silêncio é a minha morte. Só assim se faz minha vida.

João Vasco

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Solilóquio



Menina que te atreves pelos campos

Mimosa por entre a urze e o riacho

Mirada pelo sol e os céus escampos

És a alma, sentimento e recacho.


Mulher que te emancipas pelos dias

Graciosa nas verbas do momento

Com teu olhar singelo tudo anedias

És a luz, o fogo e o invento.


Musa vagante pelo sabor do mar

Suave em teu ondeante desvelo

Teu canto é embalo a marulhar

És a brisa, frescor e concelo.


Estarei a dizê-lo assim tão baixinho

Como um sussurro envergonhado,

Este, por ti, desmedido carinho

Que não ouças ser-te declarado?


João Vasco

quinta-feira, 8 de novembro de 2007



Pus-me a pensar onde estava, no momento em que atravessei o tempo como quem se detém e o vê passar por nós, como quem segue numa carruagem de um comboio e ao olhar para o exterior, pela janela, receia que não seja o trem que esteja a andar mas sim as árvores que compõem a paisagem. Onde? Queria dar com o lugar em que tal aconteceu porque não me canso de insistir na morte do desconhecido. Foi esquecimento ou simplesmente não consegui situar-me espacialmente? Malditos desacertos… Como se eu fosse um boneco de corda incapaz de dar a si mesmo um impulso de vida. Sobeja o tempo, escasseia o espaço.

Vejo as ruas dos meus passos e os vultos que as preenchem como se fosse um estranho a absorver a paisagem e a dinâmica de um lugar novo. Perdi a noção do caminhante que fui. Onde me ficcionei, onde fui figura…O tempo é um comboio e só agora percebi que os seus melhores lugares são os que não ficam à janela. Da janela vê-se ficar para trás intimidade e estética do sentir. E afinal foi assim, toldado por este teatro emotivo, que me distraí sem perdão. Em suma, que me importa isso? Quase nada. Quase…Desvarios…E já nem sequer vou à janela.

João Vasco

segunda-feira, 5 de novembro de 2007


Pintura de René Magritte

Tenho imagens, tenho ideias. Guardadas em cada meandro meu que desconheço. E minhas acções ou omissões são um reflexo desse reservatório. Será tanto meu quanto o julgo? Para onde quer que vá, a mim sempre regresso. É longo o caminho fruto do esforço. E o destino? Preocupa-me mais o caminho, é por lá que acontece minha viagem atempada. Quero seguir a corrente que flui…Não me tenho presente pelo que me resta. Como tudo me acontece incerto e sem prazo não sou mais que a dúvida do tempo e do acontecimento insolúvel. As coisas que me fazem são só minhas. Eu sou minha solidão. Temo as certezas agrestes do que é ser quem sou. Não há desvios na paisagem do meu ser. Como sou-me percebido pelo tempo que se faz não há tempo em que me perceba. E assim não me julgo capaz de retirar de mim o caos do céu. Se a noite me fizesse um ponto de vida que se visse eu seria mais do que um fogo de aparecer. Se…

Chuva clandestina, torrente desordenada, alvoroço por culpa das ideias, das imagens, mero resultado de existir. É somente o único modo de se ser. Ou tão-só o meu, aquele que consigo conhecer.

João Vasco


Se os dias fossem para além da noite não haveria amanhã.

João Vasco