Foto de Carlos Lopes Franco
Sinto-me pequeno, minúsculo,
Um ponto indistinto na imensidão
Das coisas vãs, das coisas céleres,
Das coisas feitas, das coisas a fazer
Hoje é um dia do fim e
Os gritos que não se ouvem
São minhas feridas do tempo
Podiam-me doer os ossos ou os músculos
Mas dói-me o princípio de mim,
Dói-me lá dentro onde não chego
No quarto escuro de águas do mar,
E no pórtico acabrunhado pelo mármore
Morre uma criança descalça
Que perdera a música do olhar
Meus dedos enfastiados
Têm a dor das teclas de um piano,
No meu estômago pousou uma pedra,
Um seixo boleado pela chuva
De vidro que saltou das janelas
E invadiu a minha ausência
Que se fazia lá fora
As gaivotas que poisam no meu beiral
São rasgos de memória que bradam
Clemência aos céus estranhos,
À espera da cidade do sossego,
E meus olhos são de nenhum olhar
Porque os latidos desesperados
Ouvem-se para lá do som
A estrada é uma praia deserta
Que meus pés já não desejam,
As flores já não são da Primavera
E as pessoas são emigrantes,
Retratos distorcidos
Que se esqueceram da linguagem
Numa carroça apodrecida
Eu não me consigo mexer
Porque a carne vazia é uma pedra
Que o vento fustiga com afecto,
O silêncio é meu pensamento
Se me deixo levar pela tarde
Que nasceu no meu peito
Agora que vi que mataram o amor
João Vasco
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