domingo, 1 de junho de 2008


Foto de Rui Fernando Correia


Saber-me morto é saber-me livre. Quando carrego a verdade como sendo parte de mim receio apenas a imaginação. O concreto, o real é manso, feito de raízes profundas agarradas ao fiel da vida. Sei-me em destino, sei-me em ciência. Expurgo, inexoravelmente, a força bruta do medo.

O medo é um dia da semana. A morte é a chuva que asperge delicadamente os campos verdejantes da ilusão. Se sorrio é porque já sei que a chuva molha-me por cada vez que me toca com a solenidade cândida de seus pingos, esse bambolear de dedos nos afagos dados nas teclas de um piano.

Tenho tempo. Sei o que me basta. Sou um boneco de neve que fita o sol como um abraço subentendido na distância das diferenças. Há sempre mais. Um dia que houver por aí, indigente, surgirá, de repente, se vier, se vier…A água que o calor evapora já não é espera nem demora é um ataque de lucidez.

Quantas palavras são pudor, quantos silêncios são nudez! A liberdade faz-se em cada instante por entre os muros do pensamento. Já me vi. Vi-me nu, vi-me cadáver, vi-me nada. Esvaziei-me. Assim sou o que acontece. Morto, matei a morte. Agora tenho-me a mim e nada me pesa. Os dias são demasiado fáceis.

João Vasco